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Gonçalo M. Tavares, do qual já tinha lido Histórias Falsas, traz-nos A Moeda, um conto pequeno e de leitura rápida, com uma escrita seca e directa, sem grande floreado, mas denso em food for thought e eficaz a transmitir mensagem. A história segue um indivíduo, Vass Kartopeck, um labrego que detesta ter que viver na cidade, que não se conforma àquele estilo de vida como a massa amorfa que o rodeia e que tem manchas estranhas a aparecer-lhe na pele da face. O que nos é mostrado aqui é a sua interação com uma prostituta, com pessoas numa sala de espera e com um médico. Um dos seus hábitos, que mostra a sua desadequação ao meio, é o do andar sempre com moedas com as quais espera pagar os favores que lhe fazem. A simbologia da moeda como meio de troca e transacção, chama logo à atenção numa história que explora a comunicação entre um indivíduo e a sociedade e a tentativa desta última de uniformizar os indivíduos (e as trocas) e talvez por isso seja ela a dar nome ao conto. Em contraponto com a moeda está a face, que no caso de Kartopeck, por estar manchada, o torna impróprio para comunicar com a sociedade. O seu valor é de tal forma diminuído que acaba por ser ainda mais incomodativo para as pessoas do que a presença da prostituta, que chega a gozar com ele. A sala de espera do consultório torna-se o cúmulo desta situação, no momento em que as pessoas abandonam o local e esquecem o que as levou lá por não quererm estar com ele. A figura do médico serve várias funções. Por um lado, ele permite o desenlace da metáfora das manchas na pele, no momento em que informa Kartopeck que ele não está doente, que as manchas não refletem nenhum problema orgânico - dando aqui a entender que um indivíduo que não de adapta, que não se conforma completamente, que é diferente das "massas", não tem necessariamente a culpa ou sequer um problema intrínseco, apontando de certa forma o dedo à sociedade, às suas convenções impostas. Por outro lado o médico é também representante dessa mesma sociedade e do poder, mostrando a típica reacção social à diferença quando diz a Kartopeck que dado não ter nenhuma doença, se ele se chateia por causa das manchas, problema dele, ele que resolva, que se adapte.
É também possível ver aqui uma referência ao paradigma da medicina tradicional, em que o que não é orgânico não é doença e o médico dá a entender que se ele não consegue lidar com as suas manchas (representativas de uma desadequação social, de certa forma uma objectivação de um problema psicológico) então é fraco, que se amanhe, que se conforme porque "o que tem que ser tem muita força".
Esta é uma história pejada de simbologia, onde não é por acaso que só a personagem principal tem nome, e todos os restantes funcionam principalmente como representantes metafóricos para se contrapor a ele. Só perde pela escrita pouco embelezada, algo seca e por isso menos empolgante do que poderia ser. Uma boa forma de mostrar a qualidade deste conto, é o facto de ter passado quase uma hora a discutir a sua interpretação e as temáticas que traz à luz.
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